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Covid-19 agrava violações contra indígenas yanomami, diz estudo

cerca de 5,6 mil yanomami podem ser infectados pelo novo coronavírus

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Violações históricas de direitos que já colocavam os povos indígenas em risco tornaram-se questão de saúde pública em meio à pandemia de covid-19. Os problemas enfrentados pelos yanomami, como desmatamento e ação de garimpeiros em seu território, além de dificuldades no acesso a serviços de saúde de qualidade, se sobrepõem aos riscos da infecção por covid-19 e deixam esses indígenas mais vulneráveis neste momento.

Os dados fazem parte de estudo do Instituto Socioambiental (ISA) feito em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com revisão da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), sobre o impacto da pandemia para os yanomami. A sobreposição das violações causadas pelo garimpo e a chegada da covid-19, com seu alto índice de transmissão, pode provocar uma crise humanitária, conforme avalia o estudo.

Segundo o estudo, para os yanomami, o maior risco durante a pandemia tem sido a invasão de suas terras por mais de 20 mil garimpeiros que entram e saem dos territórios indígenas sem nenhum controle. Eles são considerados o principal vetor de transmissão de doenças, incluindo a covid-19, para os mais de 27 mil indígenas dentro do território. A Terra Indígena Yanomami foi homologada em 1992, e a atividade de garimpo nela é ilegal.

Se nada for feito para conter a transmissão da covid-19, cerca de 5,6 mil yanomami podem ser infectados, considerando apenas as aldeias próximas às zonas de garimpo. Isso representa 40% da população que vive nessas áreas. Mesmo considerando os resultados do estudo referentes aos cenários menos graves de contágio nessas áreas, entre 15% a 19% desses indígenas ainda seriam infectados pela covid-19, calcula o estudo.

Letalidade
O estudo considerou que a taxa de letalidade entre os yanomami é duas vezes maior do que para não indígenas, levando em conta a maior vulnerabilidade dessa população. A situação dos yanomami é agravada por fatores como moradias coletivas, histórico de morbidade alta por infecções respiratórias e a precária infraestrutura de saúde local. Com isso, a estimativa é que podem morrer de 207 a 896 yanomami em decorrência da covid-19, ou seja, 6,45% dessa população.

Com 9,6 milhões de hectares e 27.398 indígenas espalhados em cerca de 331 comunidades, a terra indígena yanomami (TIY)– que é a maior do país – se divide entre os estados do Amazonas e Roraima. Metade da população desse território – um total de 13.889 indígenas – mora em comunidades a menos de 5 quilômetros de uma zona de garimpo, que foi a amostra utilizada no estudo.

“Hoje a vida do povo yanomami está correndo risco, isso é um prejuízo muito grande, porque são 20 mil garimpeiros que estão na terra yanomami. Estamos correndo muito risco, é vida yanomami, é saúde, é vida da floresta, destruição, poluição, contaminações de rio por mercúrio, isso que estamos vivendo”, disse Dário Vitório Kopenawa Yanomami, vice-presidente da associação yanomami Hutukara.

Segundo dados da Hutukara, três yanomami morreram de covid-19 até ontem (4) e há suspeitas que a doença tenha provocado ainda outras três mortes. Até o momento, 55 indígenas que tiveram confirmação para covid-19 e mais 32 estão com suspeita da doença. Os dados oficiais do Ministério da Saúde apontam a morte de três yanomami, 59 casos confirmados e 18 casos suspeitos.

Saúde indígena
Os 37 polos base – equivalentes a postos de saúde para indígenas – que atendem os yanomami têm as piores notas entre os 172 polos estudados em todo o Brasil pelo ISA, de um total de 361 polos no país. Esse resultado reflete a menor disponibilidade de leitos e respiradores e as maiores limitações relacionadas ao transporte de doentes para outras regiões com mais infraestrutura de saúde.

Mesmo que haja transferência dos doentes mais graves, a situação dos estados em que se localizam a TIY não são favoráveis. Com base em dados das secretarias estaduais de saúde, o estudo apontou que Roraima tem 0,72 Unidades de Terapia Intensiva (UTI) para cada 10 mil habitantes, bem abaixo do estipulado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que recomenda um mínimo de 3 para cada 10 mil habitantes. Já o Amazonas, que tem a taxa de 1,24 leito por 10 mil, enfrenta uma situação de caos sanitário na capital Manaus.

Em relação à morbidade, o relatório demonstra que os yanomami têm alta incidência de doenças que podem agravar a infecção pelo coronavírus. A partir de dados do Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena (Siasi), nos últimos dez anos (2010 a 2019), constatou-se que o número de óbitos por infecções respiratórias agudas aumentou 6% na população entre 0 a 14 anos e 300% na população maior que 50 anos.

Modo de vida
Por razões culturais, a implementação de medidas de isolamento social é um desafio. Os yanomami tem casas compartilhadas, utensílios que circulam entre várias pessoas e a dificuldade de acesso a itens como sabão e álcool em gel. Se uma doença altamente contagiosa, como é a covid-19, entra na comunidade, é difícil impedir a transmissão.

Eles têm encontrado dificuldade ainda para realizar o ritual funerário com os corpos dentro do seu território, já que o enterro de vítimas da covid-19 segue protocolo do Ministério da Saúde. O assessor do Programa Rio Negro do Instituto Socioambiental, Marcos Wesley, considera o protocolo importante para evitar contaminações, no entanto, ele demonstra preocupação com os reflexos disso entre os yanomami.

Alguns indígenas yanomami já falaram para profissionais de saúde que não aceitarão ser removidos para a cidade, caso necessitem de melhor estrutura para o tratamento da covid-19. Isso porque eles sabem que, se morrerem na cidade, o corpo não vai regressar para a comunidade para receber o devido ritual funerário. Uma das alternativas que tem sido pensadas por entidades locais é a construção de um crematório em Boa Vista para que, ao menos, as cinzas sejam devolvidas aos parentes.

“Isso é um complicador muito grande, porque quem tem que ir para a cidade são justamente os casos complexos, os casos graves, que precisam de um melhor tratamento. E que, se não tiver essa remoção, a possibilidade de vir a óbito é muito grande. Serão mais óbitos e consequentemente mais contaminação, porque na aldeia não vão ter as condições adequadas para cuidar dos mortos para que ele não contamine”, disse. “As pessoas responsáveis pelo distrito sanitário yanomami tem que ter sensibilidade para isso”.

Dário Kopenawa disse que a comunidade está com dificuldades nessa questão. “A gente reconhece o protocolo do Ministério da Saúde, a gente conhece o protocolo sanitário, a gente conhece o protocolo da OMS, isso a gente contou para os yanomami. Os yanomami sabem que esse corpo não vai voltar [se morrer por covid-19], então é difícil o yanomami sair em remoção [para tratar] coronavírus”.

Ele destaca que os yanomami tem recorrido a um costume da etnia para se protegeram da contaminação. “A maioria yanomami já foi para o Wãimu – quando a gente fica fugido dentro da floresta, fica mais isolado, distante da comunidade, fica semanas, um mês. Isso está acontecendo hoje na terra yanomami porque eles não querem se contaminar por coronavírus. Esse é um jeito de não se contaminar, de se proteger, isso faz parte da nossa cultura.”

Combate ao garimpo
A alta da cotação do ouro e a crise socioeconômica decorrente da pandemia devem multiplicar a atividade garimpeira no território, segundo avaliação do Instituto Socioambiental. O avanço do garimpo ilegal foi detectado pelo sistema de monitoramento por radar do ISA, o Sirad. Os resultados mostram cerca de dois mil hectares de floresta na TI Yanomami degradados pelo garimpo até março deste ano. Somente em março, são 114 hectares de floresta destruídos por essa atividade.

Para o ISA, a solução é a desintrusão imediata da terra indígena yanomami. “O garimpo é ilegal em terra indígena. O que se faz e que não resolve, embora seja necessário, são missões que vão lá destroem algumas máquinas, prendem alguns garimpeiros e depois de um mês ou menos eles já estão tudo de volta. Uma ação efetiva é coibir os empresários do garimpo, que não estão dentro das terras indígenas, é quem mantém o garimpo”, disse Marcos Wesley.

Ele citou como exemplo a Operação Xawara, da Polícia Federal, realizada em julho de 2012, que conseguiu chegar a esses empresários. Segundo informações da PF na época, no decorrer das investigações, foram identificados cinco grupos criminosos que atuavam para manter o garimpo ilegal, formados por aviadores, empresários ligados ao ramo de joalheria e proprietários de balsas e motores para a extração do ouro.

“A polícia federal ficou meses com serviço de inteligência. Quando fizeram aquilo, foi quando o maior número de garimpeiros saiu da terra yanomami, porque prendeu os empresários, prenderam os aviões, os garimpos não eram mais abastecidos. O pessoal aguentava quanto podia, passada duas semanas, um mês, começaram a sair da terra porque não tinha condição de se manter lá sem equipamento, sem alimentação, sem nada”, disse Wesley.

A Agência Brasil entrou em contato com o Ministério da Justiça sobre a retirada dos garimpeiros e com o Ministério da Saúde sobre os polos de base, mas não obteve retorno até a conclusão da reportagem.

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