Política
Em busca de mais segurança no trânsito, projetos aumentam punição aos infratores
O número de mortos em acidentes de trânsito voltou a subir no Brasil em 2019
Fonte: Agência Senado
A redução do número de veículos nas ruas das cidades e estradas do país, reflexo da quarentena imposta pelo novo coronavírus, não freou a campanha Maio Amarelo, mês dedicado à conscientização da segurança no trânsito. Criada para chamar a atenção da sociedade sobre o alto índice de mortes e feridos em acidentes, a campanha foi redirecionada a quem não pode ficar trancado em casa por prestar serviços essenciais durante a pandemia: profissionais da saúde, caminhoneiros, taxistas, motoristas de aplicativo, motociclistas e ciclistas entregadores.
A internet é a principal aliada deste Maio Amarelo para atingir o maior número de pessoas, sem pôr em risco o pessoal que costuma estar à frente de blitzes, caminhadas, palestras e seminários — ações que tradicionalmente marcam a campanha. Com o tema “Perceba o risco. Proteja a Vida”, as atividades presenciais foram transferidas para setembro, quando também será celebrada a Semana Nacional de Trânsito. Autor e relator de propostas sobre o trânsito que tramitam no Senado, o senador Fabiano Contarato (Rede-ES) disse que até lá o ritmo de votações no Congresso deve ter voltado ao normal.
— Por enquanto, o foco tem sido o combate ao coronavírus, mas, em setembro, vamos ter campanha educativa presencial coordenada pelo Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) em parceria com o Observatório Nacional de Segurança Viária (ONSV). Será uma boa oportunidade para retomarmos importantes revisões à legislação. Vamos trabalhar firmes pela aprovação desses projetos — informou.
Superação
Segurança e prevenção devem ser sempre prioridade, defende Mara Gabrilli (PSDB-SP), uma entre os milhares de brasileiros que todos os anos enfrentam um grave acidente de carro. O desastre, em 1994, a deixou tetraplégica. Mara teve que percorrer uma longa estrada para a superação e hoje é uma das principais ativistas da causa no país. Para a senadora, é necessário que a legislação brasileira se torne mais rigorosa para evitar que motoristas, passageiros e pedestres passem pela mesma experiência que ela.
— Quem sobrevive a um acidente de carro, como eu, pode carregar sequelas, muitas vezes, severas e irreversíveis. Depois do acidente que sofri, escolhi o caminho da superação, que me ensinou muita coisa. Mas o caminho da prevenção é sempre o mais seguro a seguir. A segurança e a vida devem vir sempre em primeiro lugar — afirmou a senadora à Agência Senado.
Mais de 70 propostas de mudanças no Código Brasileiro de Trânsito (CTB), uma lei de 1997, tramitam nas comissões do Senado. Boa parte dos projetos endurece a legislação e prevê mais ações de educação e de fiscalização com o objetivo de preservar vidas. O Brasil é o quinto país, entre os 178 pesquisados, com maior número de mortes no trânsito, segundo o último relatório mundial sobre segurança nas estradas, divulgado em 2018, pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
Álcool e direção
De acordo com a Polícia Rodoviária Federal (PRF), a cada ano, mais de 50 mil acidentes de trânsito com vítimas são registrados somente nas rodovias federais. Apesar de avanços na legislação, como no caso da Lei Seca (Lei 11.705 de, 2008), a combinação álcool e direção ainda é uma das principais causas desse número elevado. Em 2019, conforme levantamento da PRF, o consumo de álcool foi responsável por 8% dos acidentes nas rodovias.
Contarato é autor do PL 600/2019, que proíbe a aplicação de penas alternativas para o motorista que cometer crime de trânsito de homicídio culposo e lesão corporal culposa praticados sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que cause dependência. Para ele, o poder público e o processo legislativo falham quando não aprimoram os mecanismos de incentivo à educação no trânsito e quando não mantêm na prisão alguém que viola o principal bem jurídico: a vida humana.
— Tenho muita convicção de que isso será um divisor de águas. Acabar com a impunidade no trânsito é absolutamente necessário — disse o senador.
Atualmente, na maioria dos casos, quem é flagrado embriagado ou com sinais de embriaguez ao volante não vai para a prisão. O motorista paga multa de R$ 2.973 e tem o direito de dirigir suspenso por 12 meses. Já para quem dirigir alcoolizado e provocar morte ou lesão grave não há mais a possibilidade de pagar fiança. O ato deixa de ser uma infração de trânsito e se torna um crime de trânsito. Nesse caso, a Lei 13.546, de 2017 determina a prisão em flagrante e somente um juiz poderá decidir pela liberdade ou não do condutor. No entanto, segundo Contarato, a legislação tem levado juízes a aplicarem as chamadas “condutas culposas”, em vez de impor a punição dolosa, ou punição por dolo eventual (quando há intenção ou quando a pessoa assume os riscos de determinada conduta), o que, na prática, torna mais leve a punição do infrator.
O PL 600/2019 foi aprovado no início do ano em votação final pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e juntamente com outras propostas que tratam de alterações no CTB aguardam a análise da Câmara dos Deputados.
Custos no SUS
Apesar da queda no número de mortes por acidente de trânsito entre os anos de 2012 e 2018, os dados da PRF trouxeram um alerta em 2019: o total de vítimas voltou a subir. Ao todo, 5.332 pessoas morreram nas rodovias federais no ano passado, contra 5.269 registradas em 2018. Essa foi a primeira alta do índice em sete anos. De 2012 a 2018, o número de mortes teve redução de 39,2%.
Um levantamento elaborado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) constatou que, além das mortes, entre os anos de 2009 e 2018, os desastres no trânsito já deixaram mais de 1,6 milhão de brasileiros feridos gerando custo direto de quase R$ 3 bilhões para o Sistema Único de Saúde (SUS). Segundo a análise do CFM, a cada hora, em média, cerca de 20 pessoas dão entrada em um hospital da rede pública de saúde com ferimento grave decorrente de acidente de transporte terrestre.
Entre as propostas relacionadas às mudanças na legislação de trânsito que tramitam na CCJ está o PLS 32/2016, apresentado pelo senador Wellington Fagundes (PL-MT). O texto obriga o condutor causador de acidente, sob efeito de álcool ou qualquer outra substância psicoativa, a ressarcir as despesas do SUS com o tratamento das vítimas.
Segundo o senador, a Organização Mundial de Saúde (OMS) estima uma perda de 7,3% do produto interno bruto (PIB) do Brasil, em decorrência de problemas relacionados ao álcool. “Ou seja, quase R$ 400 bilhões”, afirma.
Os acidentes de trânsito são considerados um grave problema de saúde pública e impactam significativamente nas despesas da gestão do SUS, segundo Wellington. Segundo ele, com a aprovação da medida, além de ressarcir os cofres públicos, a legislação poderá servir como ferramenta para educação permanente da população. O senador disse esperar que a matéria seja apreciada quando os trabalhos presenciais no Senado forem retomados.
— Tínhamos expectativa de votar esse projeto neste primeiro semestre, mas acredito que tão logo retornemos as atividades normais, vencida a pandemia do novo coronavírus, iremos votá-lo na Comissão de Constituição e Justiça, sob a relatoria do senador Fabiano Contarato, e, em seguida, em Plenário. A ideia, inclusive, era celebrar essa proposta, tão bem aceita pela população, no Maio Amarelo — acrescentou.
Exame toxicológico
A preocupação do Legislativo também está voltada à segurança dos motoristas profissionais, como taxistas, motociclistas e condutores de transporte por aplicativo. O PL 5.184/2019, de autoria do senador Marcos do Val (Podemos-ES), determina a realização de exame toxicológico por condutores das categorias A e B que usam o veículo para exercer atividade remunerada. O texto, que também aguarda análise na CCJ, prevê que os exames serão realizados a cada dois anos.
O senador afirma na justificativa do projeto que muitas mortes no trânsito poderiam ter sido evitadas se houvesse maior rigor no combate ao uso de substâncias que reduzem drasticamente a atenção e a capacidade de julgamento do condutor. Marcos Do Val lembra que a exigência do teste periódico para as categorias C, D e E, determinado pela Lei nº 13.103, de 2015, tem se mostrado uma medida eficaz, com reflexos positivos na segurança no trânsito.
“Dados divulgados pelo Instituto de Tecnologia para o Trânsito Seguro (ITTS) indicaram que, apenas seis meses após a vigência da lei, o número de acidentes nas estradas federais reduziu em 38%. Nesse sentido, é importante ampliar, o mais rápido possível, o exame para os condutores das categorias A e B que exerçam atividade remunerada com o veículo, de forma a evitar que outras vidas sejam colocadas em risco por sua atitude imprudente”, argumenta.
Radares móveis
Ainda de acordo com os dados da PRF, outro fator que tem elevado o índice de acidentes de trânsito nas rodovias brasileiras é a prática da velocidade acima da permitida pela via. Em 2019, esse tipo de ocorrência foi responsável por 8,4% dos acidentes nas rodovias. Mesmo assim, no ano passado, o presidente Jair Bolsonaro publicou uma portaria suspendendo o uso de radares de fiscalização de velocidade móveis nas estradas federais. Após questionamentos jurídicos, a Justiça determinou a retomada da utilização dos dispositivos móveis, ao argumentar que a suspensão da fiscalização desrespeitava a competência do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) e que a medida suprimia a atuação de órgão colegiado, que no caso caberia ao Poder Legislativo.
Nesse sentido, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) apresentou o PL 2.167/2019, que também tramita na CCJ, para estabelecer que as multas por excesso de velocidade só serão válidas quando emitidas por radares eletrônicos fixos e visíveis ao motorista. Na justificativa, o autor argumenta que a proposta tem como base a necessidade de publicidade dos atos administrativos além de tentar reduzir a assim chamada “indústria da multa”.
“É sabido que na prática dispositivos móveis, portáteis, estáticos e fixos de controle de velocidade tem sido utilizados de forma contrária à publicidade dos atos públicos se considerarmos que seu emprego pelas autoridades de trânsito opera-se de forma surpreendente, com o objetivo de emboscar condutores de veículos automotores, reboques e semirreboques em nome do enriquecimento de uma indústria de multas cuja existência não se pode negar no Brasil”, afirma na justificativa do projeto.
Além das proposições que tramitam na CCJ, outras sugestões de mudanças na legislação de trânsito ou que alteram as normas de segurança dos veículos aguardam apreciação em outros colegiados, como é o caso do PLS 191/2014, de autoria do senador Ciro Nogueira (PT-PI), que será analisado pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) e prevê a inclusão de câmera de marcha a ré como equipamento obrigatório dos veículos automotores.
Parceria
A campanha Maio Amarelo está sendo realizada pelo Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) e pelas instituições parceiras, como Ministério da Cidadania (Senapred), Ministério da Saúde (DASNT/SVS), DNIT, ANTT, PRF, Associação dos Detrans (AND), Organização Pan-Americana de Saúde (Opas/OMS), Sest/Senat e Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet), entre outras.