Política
“Hoje podemos dizer que essa terra é nossa”, comemora Comunidade quilombola Barra do Aroeira após receber título do governador Mauro Carlesse
Comunidade recebeu a titulação de mil hectares de terra
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O sorriso no rosto e a camisa amarela com escritos “Sonho realizado” entregavam, de longe, a felicidade da Comunidade Quilombola Barra do Aroeira, que recebeu, nessa sexta-feira, 3, do governador do Estado do Tocantins, Mauro Carlesse, o título coletivo definitivo equivalente a mil hectares do território onde vivem.
A aposentada e produtora rural, Izabel Rodrigues, tataraneta de Félix José Rodrigues, ajudou a fundar a comunidade que hoje é composta por cerca de 120 famílias. O sorriso não saia do rosto e nem a história dos anos de luta dos lábios. “Há mais de 100 anos nós vivemos com essa expectativa, meu tataravô foi pra guerra do Paraguai, lutou, ajudou a vencer a guerra e Dom Pedro II presenteou ele com essas terras. Mas com os anos o que aconteceu? Os fazendeiros começaram a tomar nossas terras e ficamos apenas com um mil hectares. Mas agradeço a Deus e ao governador Mauro Carlesse por ter tomado essa atitude de nos ajudar e hoje estamos aqui comemorando o nosso título”.
O processo que originou a titulação definitiva teve início, formalmente, em 2004, quando foi criada a Associação dos Quilombolas da Comunidade Barra do Aroeira. Nesse período eles conquistaram um Termo de Permissão de Uso, mas com prazo de validade próximo, a luta continuava.
Luta essa que Domingos Rodrigues da Silva herdou do pai. Hoje o advogado e presidente da comissão de igualdade racial da OAB, atuou no processo de regularização representando a Associação e lembrou um pouco dessa trajetória marcada pela persistência de seu povo. “Eu nasci aqui nessa região, mas quando eu tinha dois anos de idade meu pai foi expulso daqui pelos fazendeiros. E eu cresci, fui para a faculdade, fiz direito, com um único pensamento: regularizar essa terra, que é uma herança dos nossos ancestrais. E hoje nós estamos transbordando de alegria porque nós podemos dizer: Essa Terra é Nossa”.
Novos planos
A produtora rural, Diolina Fernandes Rodrigues, já faz planos para a Comunidade, pois agora com um título definitivo, os quilombolas poderão ter acesso a recursos como do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). “Na minha casa eu tenho feijão, arroz, mandioca e a minha horta, tudo conquistado em cima dessa terra. Mas agora com o título nós poderemos fazer um Pronaf, por exemplo, melhorar nossa produção para venda, porque nós sobrevivemos é da terra”, ressaltou.
A presidente da Associação de Quilombolas da Comunidade Barra do Aroeira, Maria de Fátima Rodrigues, também acredita que além de melhorar o acesso a programas de assistência rural, outros processos serão destravados a partir da conquista desse título, como por exemplo, aposentadorias. “Aqui na Comunidade para aposentar é uma dificuldade muito grande, já tentamos trazer posto de saúde para cá, solicitamos máquinas para poder trabalhar na terra, mas sempre quando chegava nessa parte da documentação era recusado. Mas agora com esse título nós poderemos até pegar empréstimos para poder investir na terra”, comemorou.
Orgulho de pertencer
Emocionada, a artesã Natália Rodrigues, de apenas 24 anos, revelou que receber esse título prova que os descendentes de Félix Rodrigues sempre tiveram direito ao território onde vivem. “Nós já fomos taxados de ladrões, preguiçosos, e agora com esse título nós sabemos que ninguém vai nos tomar a nossa terra e isso é uma alegria muito grande pra nós”.
Como outros membros da comunidade, Natalia Rodrigues foi embora da Barra do Aroeira em busca de oportunidades, mas revelou que seu sonho sempre foi viver na Comunidade, da qual tem orgulho de pertencer. “Eu morava em Porto Nacional, mas meu sonho sempre foi voltar para cá, onde minha bisavó, minha avó e minha mãe nasceram. Voltei para cá com meus dois filhos e eu acredito que, com esse título, muitas coisas poderão ser conquistadas. Eu me sinto muito orgulhosa de poder fazer parte da Comunidade Barra da Aroeira”.
Histórico
Desde o início da década de 1980, a comunidade se mobilizava pelo reconhecimento das terras que foram dadas por Dom Pedro II ao negro Félix José Rodrigues por lutar na Guerra do Paraguai. Ao longo da História, fazendeiros foram se instalando nas proximidades da região, tomando parte do território e os descendentes de Rodrigues ficaram limitados apenas a 12% da área original.
O documento entregue nesta sexta, 3, põe fim a uma luta de mais de 100 anos pelo reconhecimento do direito à terra e foi comemorado com muita dança e um almoço.